Durante 19 anos, Rosileia Eleutério, moradora do município de Imaruí, trabalhou em uma função que, para muitos, ainda é vista como exclusivamente masculina: foi coveira, pedreira, zeladora e responsável por serviços de manutenção em um cemitério.
Nesse tempo, cavou sepulturas, levantou muros, fez lajes e capelas funerárias. Atuou com naturalidade em tarefas pesadas, desafiando o estigma que ainda recai sobre mulheres em áreas como a construção civil e o serviço funerário.
Ela entrou na função por incentivo do companheiro, que já trabalhava no local. Aos poucos, descobriu prazer e habilidade em atividades como carregar tijolo, preparar massa e erguer estruturas. “Sempre gostei de pegar no pesado. Se tivesse que escolher entre um trabalho sentada numa loja e uma obra, faria a obra com gosto. Sentir o corpo cansado no fim do dia é, para mim, sinal de vitória”, conta.
Hoje, aos 51 anos, está afastada da função por motivos de saúde, mas mantém o espírito ativo.
Mesmo fora do trabalho formal, ainda ajuda o marido em serviços de construção, faz pequenos reparos em casa e tem orgulho de dizer que o muro da residência onde mora foi feito por ela. “Aprendi tudo na prática. Desde colocar tijolo até sepultar um corpo. Tudo com respeito, carinho e dedicação”.
Barreiras
Para Rosileia, o maior desafio não era o trabalho em si, mas o preconceito estrutural que, mesmo diminuindo, ainda impõe barreiras para mulheres em certas funções. “A gente sempre ouve que é ‘trabalho de homem’, que mulher não dá conta. Mas isso não é verdade.
O que falta mesmo são oportunidades. Mulher aprende rápido, é caprichosa e dá conta do recado”, afirma.
A convivência com as famílias que frequentavam o cemitério sempre foi respeitosa, segundo ela. Muitas pessoas demonstravam admiração pela sua postura e habilidade. “Ouvi muito que mulher fazia o serviço até melhor, com mais cuidado. E isso me enchia de orgulho”.
Potencial feminino na construção pesada
Apesar de não exercer mais a profissão formalmente, Rosileia mantém o interesse e a disposição para colaborar em serviços pesados quando pode.
Em casa, segue contribuindo nas obras com o marido e reforça que, mesmo com limitações físicas atuais, continua envolvida com o que gosta de fazer. “Hoje não posso mais carregar tanto peso, mas faço massa, coloco tijolo, ajeito o que for preciso. Ficar parada me incomoda”, comenta.
A vivência também a levou a refletir sobre o papel das mulheres na economia informal. Segundo ela, muitas acabam desempenhando tarefas duras, mas sem reconhecimento ou remuneração justa.
“Tem muita mulher que faz serviço de pedreiro e não é nem considerada trabalhadora da construção. Só porque não está registrada, parece que não vale”, observa.
Para ela, o reconhecimento é o primeiro passo para a valorização real. Mais do que romper barreiras físicas, é preciso romper as simbólicas. “Se as mulheres fossem vistas como capazes desde o início, já estariam ocupando mais esses espaços. A gente precisa de visibilidade, respeito e incentivo, porque vontade de trabalhar não falta”, finaliza.
Rosileia também acredita que iniciativas de capacitação específicas para mulheres podem ser um caminho importante para reduzir desigualdades no mercado de trabalho. Segundo ela, cursos de construção, alvenaria e manutenção, quando voltados ao público feminino, ajudam a quebrar o medo inicial.
Outro ponto destacado por ela é o impacto social que a presença feminina traz para ambientes historicamente dominados por homens. “Não é só uma questão de igualdade, é também de qualidade. O olhar feminino faz diferença onde quer que esteja”, reforça.
Fonte: Diário do Sul